terça-feira, 7 de agosto de 2007

Um anjo camelo? (conto)



Os tempos eram outros. O cinema não tinha cadeiras confortáveis e inclinadas, daquelas que permitem a alguém sentar na frente e não incomodar os que estão atrás.

O cinema tinha cadeiras dobradas, como cadeiras de praia de luxo, no tom vermelho.

Era complicado escolher entre as pipocas e as balas. Escolhia a pipoca e ficava com saudade das balas. Não havia saco grande, médio e pequeno. Havia um saquinho e pronto.

Gostava de chegar um pouco antes de começar o filme. Assim escolhia um lugar com a frente vaga.

Durante os trailers, ansiava e me enervava com quem chegava. Um senhor com lanterna e quepe de motorista acompanhava os atrasados aos lugares que restavam. Senhores como ele, eram chamados de "lanterninhas". (essa profissão não existe mais).

Dos 7 aos 8 anos, nunca encontrei sorte. Sempre uma mesma pessoa sentava na minha frente. Não que fosse enorme. Na verdade, até um pavão seria enorme para minha idade. Mas o homenzinho exibia duas corcovas nas costas. Ou seria uma? não me recordo se parecia um camelo ou um dromedário.

As corcovas eram maiores que sua cabeça e muito maiores do que a minha, e eu não enxergava absolutamente nada.

Não assisti aos filmes de minha infância. Assisti as corcovas do sujeito, que usava um terninho apertado.

As corcovas se mexiam, como se houvesse alguma coisa ali escondida. Um imensa barriga que vinha das costas.

Uma imensa barriga com fome. Havia barulho de pombas se mexendo.

Todo filme acabava sendo de terror, pelo medo que guardava das corcovas.

A minha irmã não queria trocar de lugar comigo. Ainda me falou aos ouvidos que ele era um anjo.

Como anjo não pode entrar no cinema, precisava engavetar as asas. Fiquei com mais medo dele ainda. Como poderia gritar ao anjo:" Saia da minha frente!" Seria horrível não poderia fazer mais a primeira comunhão. Eu estava no banheiro quando, atrás de mim, entra o homenzinho.

Ai, meu Deus. Quase volto, mas finjo que lavo as mãos. Ele começa a tirar o casaco.

Faltou coragem para olhar aos lados. Juro que ouvi um vento fortíssimo secando meu rosto e arrepiando os cabelos. A janela apareceu aberta.


Fabrício Carpinejar



Postado por Hérika Prazeres.

Um comentário:

Impressões Digitais disse...

Muito interressante o conto! Gostei bastante. Quem é Fabricio, Herika?. Seja quem for, dê meus parabens a ele.

Vivaldo Simão