sábado, 27 de setembro de 2008

Outras partes

Não chores como eu
Invente uma arte
Não fique falho como eu
Pois existe outro
Que se encontra em qualquer parte
E quem está aqui
Não sou eu nem o outro
É apenas a parte louca
Que contesta a novela volúvel
Que insiste no mesmo capítulo
Quando brota um novo jornal
Porém, com o mesmo noticiário.
Variável dor
Que não sabe se dói ou se desfaz o amor.
Amor?
Será o amor condenado, calculado, sacrificado,
Servido à mesa num prato raso?
Mas, não chores como eu
Invente uma arte
Pois quem está aqui
Não sou eu nem a parte louca,
Agora é o outro
Que vem de outras partes
E se reparte em arte.


Edilberto Vilanova

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Sadopoema

A poesia não bate à porta
Salta sobre a janela
Contamina a casa

Todo poeta é uma virgem
À espera da poesia
Ela chega num cavalo branco
E toma o poeta pra si
Deflora o poeta

A poesia é sádica
Cospe um não na cara do poeta
E se nega
Enquanto se insinua
De mordaça e chicote
Exulta ante a suplica do poeta

A poesia é o pesadelo do poeta
Companheira da musa de olhos arregalados: insônia
Mas quando vem e se dá
É gozo de alma e carne
É delírio onírico do poeta disperso.


Vivaldo Simão

Adeus amigo triste (Somos um povo doente)*

Luiz não quis ficar. Partiu. Tomou mais cedo o trem arcano e inevitável a qualquer um de nós. Luiz partiu, e porque?. Deixou filhos e ausência de explicações. Talvez porque soubesse que partir é tão inexplicável quanto ficar. Disse não ao sol de uma segunda-feira quente e virou estatística. Eu vi seu corpo estático e pensei num paradoxo: Em silencio absoluto Luiz gritava: “nós somos um povo triste!”.
Debaixo dessa casca festeira somos doentes de uma melancolia enrustida. Os homens são bichos estranhos e tristes mas eu falo especificamente do homem oeirense. A sina suicida dessa cidade me abisma desde muito cedo.
Luiz foi encontrado com uma corda no pescoço. Aqui se nasce com uma simbólica corda no pescoço. Ela afrouxa-se e aperta-se, regulada por um estranho mecanismo invisível que se veste de sorrisos e solta fogos de artifícios. Com o barulho do lado de fora a fera se esconde por dentro e devora sem se fazer notar. A fera se veste de fé, que é o contentamento de quem já não tem qualquer outro sentido pra viver além da esperança de recompensas, da espera de novos Jardins do Edens.
Engraçado com a gente espera tão pouco da vida que a gente tem! Já reparou que a maioria de nós vive em função da vida que a gente espera pra depois da vida?
A fera se veste de paixões porque a paixão é a substancia do homem.
Existe aquele velho clichê que diz que ”a vida é um circo”. E nós, o que somos? Não sei. Mas sei bem o que não aprendemos a ser: nós não aprendemos a ser domadores> Não aprendemos que o ofício de domar a fera pode até ser perigoso mas é imprescindível pra que transcorra bem esse espetáculo chamado vida.
“Por que a gente é assim? Canibais de nós mesmos, antes que a terra nos coma”

*escrevi esse texto a um tempão e perdi-o entre papeis. Só hoje pude reencontra-lo e publico agora minha homenagem ao meu amigo Lú, que me ensinou acordes e sonhos.E ao povo triste desse lugar estranho que tem sido meu ninho a 20 anos.

Vivaldo Simão